sábado, 13 de agosto de 2011

Aspectos iniciais sobre etapas das Políticas Públicas - comentando post da Marina


Oi!

Pequenas contribuições sobre o tema "etapas de uma PP".

Num primeiro nível de apreensão das "etapas", temos os momentos estruturais do processo: formulação, execução, monitoramento, avaliação e novo ciclo.

Sabemos, contudo, que esses momentos não são nem tão facilmente separáveis entre si, nem estanques, menos ainda, seguem esta linearidade. Antes, é mais comum estas etapas imbricarem-se uma nas outras: é provável que seja mais comum se começar por algum tipo de execução do que pela formulação, ou o monitoramento não ser mais do que uma aspiração de manual.  

De todo modo, podemos considerar estes momentos como situações que, de forma mais ou menos consciente e consistente, acontecem ou – se alguma lógica houver – deveriam acontecer ao longo da vida de uma PP.

Mas estas etapas só nos dão momentos formais de um complexo processo, ou melhor dizendo, de um complexo de processos razoavelmente distintos que ocorrem nos diferentes campos em que as PP ocorrem ou podem ocorrer.

No mundo real, muitos fatores - políticos, econômicos, sociais, culturais, demográficos, ambientais, só para mencionar alguns - costumam interferir no processo de nascimento e execução de uma PP.

A começar pelo problema essencialmente político do "quem" participa das etapas ao longo da vida de uma PP. Os diferentes "quems", suas diferentes capacidades de organização e mobilização de recursos, de expressão de interesses e valores, de coesão etc.  interferem sobremaneira e tendem a ser os elementos centrais na definição de uma PP, incluindo a entrada na agenda política da sociedade e do Estado/governo, a definição de seu ritmo de implementação, a capacidade de mobilização de recursos, dentre outros aspectos.

 "Quem" participa e de que modo participa ao longo do processo conta, e muito para a compreensão de uma PP. É a clássica pergunta sobre "quem governa", que nos nossos dias e para este assunto poderia ser atualizada para "quem participa da governança" de uma PP.

Assim, temos contextos em que minorias suficientemente coesas e com capacidade de mobilização de recursos constroem, mantém, intensificam ou bloqueiam a formação de uma PP, de um modo muito mais eficaz que maiorias dispersas e com baixa capacidade de mobilização de recursos. A vida é dura, e o mundo das PPs, se não é uma selva, também não é feita só de anjos, para o estranho deleite dos cientistas políticos e sociais.

Antes de prosseguir na questão das "etapas" de uma PP, é preciso que respondamos o que se entende por política pública, ou seja, o que é uma política pública? De um modo bastante simplificado, pode-se definir Política Pública como um conjunto mais ou menos consistente e coerente de recursos institucionais mobilizados pelos governos/Estados e as sociedades (a depender do grau de participação democrática na formulação de determinada PP) para lidar com um determinado tema ou agenda da sociedade (ou de parcelas da sociedade) e dos governos/Estados.

Este conjunto de recursos apresenta diferentes níveis de institucionalização. Em algumas PPs isso é tão fraco que praticamente não nem percepção dos reais problemas a serem enfrentados, nem temos estudos, nem leis adequadas, nem regulamentações e normas, orçamentos, instâncias de debate e deliberação, dentre outros insumos cruciais na feitura e execução de uma PP.

Além da multiplicidade do grau de institucionalização de uma PP, chamo a atenção a um aspecto desta definição que é a percepção de que uma PP, para poder ser chamada de política pública, precisa ter algum tipo de enlace nos aparatos de Estado, na forma de uma lei, uma regulamentação, de orçamentos, de disponibilização de informações, de pessoal ocupado com o assunto, de pressão no congresso etc. Ou seja, toda PP tem algum pé nos instrumentos de Estado, e ainda não é uma PP se a "agenda" for um assunto exclusivamente da sociedade ou de determinados segmentos sociais.

E aqui batemos de frente na questão da interação entre estado e sociedade, estado e mundo da vida.

Se a sociedade é algo bem mais abrangente, que engloba os Estados nacionais e subnacionais, e que é constituída por mundos da vida, ou seja, por modos diversos de interação social, expressas em valores, crenças, ritos, costumes, códigos (explícitos ou tácitos),  aspirações, medos, anseios etc., mundos da vida associados a territórios de identidade (cultural, econômica, de destino e proximidade na vida etc.), temos então que alguns aspectos do mundo da vida e da sociedade  não são necessariamente absorvidos por instrumentos de política pública (por exemplo, será que a educação de crianças de 0 a 3 anos é tarefa do Estado ou das famílias, ou em que grau de um ou de outro?).

Com isso, já teríamos elementos para averiguar a questão do nascimento de uma PP, de como uma PP entra na agenda política da sociedade e ganha contornos (mais ou menos institucionalizados) nos aparatos do Estado/governo.

Se as PPs tem um pé no Estado/governo, ou elas se iniciam dentro dos aparatos de Estado (pelos quadros políticos e burocráticos de um determinado governo/Estado), ou então elas nascem nas sociedades, por pressão de grupos sociais com capacidade de mobilização e manifestação de interesses e valores, que interagem com (ou como) agentes dos Estados/governos.

Políticas públicas mais “do estado para as sociedades” ou mais “das sociedades para os estados” dependem sobremaneira das condições democráticas vividas nos diferentes contextos.  

Bem, só indicarei mais três temas, pois já me estendi demais. A seletiva formação da agenda – ou seja, como certos temas (e não outros) entram na agenda política dos Estados/sociedades/mundo da vida – envolve a questão de como isso ocorre nos territórios, envolvendo os três níveis de governo, os três poderes.

Ou seja, estamos diante do problema da escala da ação de uma PP, se a escala (ou ênfase) é local, regional, estadual, nacional, ou ainda mais abrangente.  Se a política pública em questão envolve a articulação dos três níveis de governo (federalismo das políticas). Não preciso insistir muito sobre quanto o tema da escala e da interação entre níveis de governo  é torturante para os "formuladores" de PPs.

Outra questão envolve os dilemas da intersetorialidade, da transversalidade, e da dificílima arte da coordenação/governança das múltiplas interfaces que uma PP pode apresentar.  Políticas públicas da "nova geração" tendem a ser cada vez mais interdependentes e transversais, e a concepção e coordenação dessas interações constitui uma das tarefas mais difíceis da análise das PPs.  

A última questão que gostaria de indicar tem a ver com as relevâncias relativas que estados e sociedades (às vezes sem a devida anuência da sociedade) atribuem a determinados campos/agendas de políticas públicas. Ou seja, porque algumas PPs concentram mais recursos e instrumentos institucionais que outras, mesmo que altamente relevantes, ou mesmo, mais relevantes do ponto de vista da sociedade.  Isso nos levaria aos temas dos laços de poder estabelecidos em torno das diferentes políticas, dos “direitos adquiridos” por determinados segmentos, dentre outros aspectos que nos ajudariam a compreender disparidades gritantes entre os recursos alocados numa ou noutra PP.

Bem, por enquanto é isso.

Espero ter ajudado,

Marco

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